sábado, 26 de novembro de 2011

Recepção em Marte


Em 2086 a população da Terra passou por grandes mudanças. Marte consolidou-se como destino de migração interplanetária, devido ao sucesso de anos de planejamento e execução em terraformação e habitação. Originalmente criado como um pano de fundo para exilar a exorbitante população de baixa renda, o projeto teve sua essência modificada, pois durante as décadas de adequação marciana, o planeta mãe também sofreu mudanças.

Agressões climáticas de proporções continentais, aparecimento de doenças e instabilidade ambiental fizeram com que a população rica da Terra ganhasse a prioridade nos planos de migração.

-Olha só o tipinho daquele garçom – disse Katherine, uma loira alta, de gosto refinado e atitude áspera. A amiga olhou para o que ela havia apontado, e riu de um empregado do bar, que visivelmente ainda estava se acostumando ao serviço.

-Ainda bem que mês que vem já estou indo embora dessa pocilga. A América já não é a mesma, desde que esses chimpanzés começaram a invadir... Veja só, eles são burros demais para aprender a falar inglês, e já estão a tanto tempo aqui que não devem se lembrar do espanhol .

Katherine fazia parte da primeira viagem oficial de transferência populacional. “Quem chega primeiro, tem sempre mais direitos” pensava ela. Seu pai, político influente do estado da Califórnia, não teve problemas em coloca-la na lista dos 500 que tinham seu lugar garantido na viagem.

Os quatro meses de viagem foram muito bem aproveitados, regados à festa e atrações temáticas. Katherine ficou encantada com a experiência, mal podia esperar para chegar a Marte, a terra sem os males da Terra. A chegada surpreendeu até os mais otimistas. O lugar era lindo como o céu vermelho, a cidade muito limpa e organizada, reflexo de um planejamento eficaz. Mas, para Katherine, algo de errado havia com as pessoas. Achou graça da pele alaranjada delas, mas o que a intrigava era a atitude, tinham um olhar de desconfiança.

Quando conheceu a casa a qual tinha sido designada, logo foi abordada pelo vizinho, Stewart. Ele não tinha nascido em Marte, fazia parte do grupo de engenheiros da prefeitura e sua pele ainda era branca, estava morando no planeta vermelho fazia apenas um ano. Um homem esquisito, parecia constantemente assustado. Falou para ela tomar cuidado e se unir a ele, deviam tomar providências, já que ali eram minoria.

Ela não deu ouvidos e tratou de expulsá-lo de casa. Nos dias seguintes, ela entendeu o rapaz. Crianças laranjas viviam jogando pedras na janela, chamando-a de nomes. A polícia fazia pouco caso, dizendo que era apenas brincadeira de crianças e que ela não devia ligar para isso. O descaso era claro como água.

Com o passar dos dias, só piorou. Os adultos também a tratavam com desprezo. Apesar de não ter feito nada de errado, ela era indesejada ali. As pessoas que haviam construído o lugar firmaram suas raízes e não estavam abertos para receber forasteiros. Depressiva e sem amigos naquela gigante cidade alienígena, ela dedicou seus dias a navegar na internet, em sites terráqueos apenas, enquanto esperava uma nova leva de migrantes. A chegada da próxima nave estava marcada: julho de 2088.


Nenhum comentário:

Postar um comentário