quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Impressões: A trilogia Dupin, de Edgar Allan Poe


O post de hoje um livro com três histórias, se trata de A trilogia Dupin, que tecnicamente nem deveria ter entrado na minha lista de leitura. Eu estava buscando algo de terror além de Lovecraft, e fui atrás da primeira coisa de Poe que surgiu na minha frente. Acontece que este livro é muito mais policial que propriamente terror, OU NÃO, pode ser que o terror de Poe seja totalmente pautado no estilo realista e policial (acabei de googlar e descobri que sim, ele tem muito terror fantasioso, mas a ficção policial também é muito presente em suas obras). Vamos à sinopse e em seguida minha opinião:

A Trilogia Dupin

O Dupin de "os assassinatos da Rue Morgue", "O mistério de Marie Rogêt" e "A carta roubada" é um personagem impagável. Nobre falido e excêntrico, Dupin se compraz em utilizar apenas seus agudíssimos recursos de análise e dedução para desvendar crimes que deixam impotente G., o Chefe de Polícia de Paris.
A Trilogia Dupin - Os Assassinatos da Rue Morgue; O Mistério de Marie Rogêt; A Carta Roubada.

No livro, acompanhamos o relato de um homem que resolve contar como conheceu Auguste Dupin, um excêntrico e extraordinário homem com capacidade analítica fora de série. Durante sua estadia em Paris, onde residiu com Dupin, o narrador tomou parte na solução de 3 casos notórios pelo seu engendramento ou aparente impossibilidade de ocorrer. É interessante notar durante a leitura como o raciocínio de Dupin é fantástico e certeiro, analisando evidências e corrigindo sem pudor autoridades policiais e nomes da mídia parisiense. Por serem casos de assassinato, há uma dose cruel e até insensível de impessoalidade nas descrições dos corpos ou cenas de crime, mas nada que vá tirar o sono de alguém. Os personagens são pouquíssimos e quase nenhum além de Dupin é realmente explicado, o que faz sentido quando se percebe que todo o livro gira em torno da capacidade analítica dele e dos meios que usa para encontrar a verdade, algumas vezes sem sequer precisar levantar da poltrona.

As três histórias são claras, escritas com um vocabulário extenso e às vezes específico da ciência forense. O ritmo, no entanto, é inconstante, pois muito do caso analisado ou da relação entre o narrador e Dupin é interrompido para discussões sobre pragmatismo, vícios e a mentalidade analítica e probabilística na busca de solucionar crimes. Essas divagações não são enfadonhas, pelo contrário, fazem o livro ter a qualidade espetacular que apresenta, mas especificamente no segundo texto, O mistério de Marie Rogêt, tomam proporções absurdamente longas e acabam cansando a leitura, pois este conto é montado apenas com as tiras de jornais sobre o crime e as análises de Dupin em cima do que dizem os jornais e testemunhas; são páginas e páginas de agrupamento das pistas, muitas delas erradas (de propósito ou não) seguidas de longas ponderações de Dupin. O texto é bom, mas cansa tanto que cogitei largar o livro.

O que gostei
-Vocabulário rico e gostoso de ler
-Frases muito bem montadas, estilo de escrita estupendo.
-Crimes bem pensados e soluções surpreendentes
-Personagens bem descritos, ainda que Dupin e as vítimas monopolizem a atenção

O que não gostei
-O segundo conto, apesar de ser bom, é exageradamente parado, deixando várias oportunidades para um leitor não muito motivado abandonar a leitura.

Considerações finais
A trilogia Dupin é um ótimo livro, mas que o leitor precisa saber primeiro o que vai encontrar, para evitar um susto com a narrativa, que é intensa, especialmente se comparada com os livros policiais "normais", que somam mistério, ação e um pouco de aventura ao pensamento analítico, que é absoluto nesta obra de Edgar Allan Poe.



domingo, 12 de outubro de 2014

Impressões: Revista Trasgo #4


Fechando mais uma leitura da revista digital Trasgo, deixo aqui minha opinião - curta, mas sincera - sobre os contos presentes na última edição, de número 4. Vale lembrar que achei alguns erros de digitação nesta edição; não lembro de ter visto isso nas anteriores, mas mesmo assim foram apenas 3 ou 4, nada que prejudique a leitura.

Trasgo 04 - Capa - mini

O conto que abre a edição é de autoria de Gerson Lodi-Ribeiro e se chama Rendição do serviço de guarda. Esse é o conto mais longo da revista. Pelas palavras do autor, somos puxados para um universo futurista onde a ideia dos deuses astronautas é uma realidade, juntamente com um tipo de darwinismo galáctico que descambou na inevitável guerra entre dois grandes grupos de espécies de seres vivos inteligentes. A construção do conto é muito focada no cenário, relacionando a linha de tempo de alguns personagens com o desenvolvimento da raça humana na Terra, e aproveitando esse momento para expor algumas discussões filosóficas interessantes. O espaço para dar andamento ao enredo acabou sendo muito curto, se comparado ao texto do worldbuilding, mas foi executado de forma coerente e satisfatória, apresentando o problema e a solução sem muitos rodeios. Por não ser fã de FC Hard, demorei um pouco para engrenar a leitura, devido ao começo ser bastante puxado no gênero, mas depois da metade a escrita se torna bem mais rápida. Recomendo, principalmente para os fãs de FC hard.

O conto seguinte é Vivo, Morto. X.,  de Érica Lombardi. Uma história curta, urbana e, em certo grau, abstrata. Conhecemos Guilherme, um cara babaca, mas de bom coração, que topa com uma criatura sobrenatural prontinha para atormentar sua cabeça com um jogo psicológico muito perigoso. A fantasia sobrenatural do conto gira em torno da criatura, que aparece sobre a forma de uma garota chamada Ana, e desaparece assim que ela sai de cena. A autora tem uma voz bem pessoal, vale a pena memorizar o nome para uma busca futura.

O terceiro conto é Isaac, de Ademir Pascale, e foi para mim a grande decepção da revista. Cenário clichê, cenas despropositais e que não fazem sentido definem o conto. O lado bom é que o autor tem uma habilidade monumental em criar suspense, e eu acabei me interessando e lendo mais e mais, mesmo com as incongruências que apareciam a todo momento. Os elementos do conto também mostram que o autor sabe escolher peças-chave para montar uma história cativante, como o cenário apocalíptico e os habitantes com seus costumes hediondos, mas a falta de algum trabalho para diversificar esses elementos deixou tudo muito na mesmice, e os furos de roteiro deixaram a impressão de ser uma leitura para adolescentes, nada além disso.

Mary C. Muller escreve o conto seguinte: Estive assombrando seus sonhos. Conhecemos Felipe, um garoto com mediunidade, e sua rotina de convivência com fantasmas, vampiros e afins num magnífico conto infantil. O enredo trata de uma alma penada que aparece pedindo socorro de uma maneira diferente, e o garoto logo precisa da ajuda de outros seres sobrenaturais para resolver o problema da garota-fantasma. Com exceção da caracterização de Felipe com sua família e cotidiano "humano" no início do conto - que achei de um tom negativo, maduro e desnecessariamente complexo - a história é sensacional, muito divertida e recomendada para qualquer um acima de 8 anos.

O conto seguinte é Arca dos Sonhos, de Fred Oliveira. Confesso que não gostei muito, mas a escrita do autor é muito refinada; o enredo é que não tinha uma intenção muito clara do que pretendia passar. Embarcamos numa space opera com um tom de "aventura naval" bastante óbvio e emocionante, mas sem muito sentido. A tal arca parte com sua tripulação que faz parte de si, integrada mental e organicamente pela tecnologia, em busca de um destino que não se deixa claro o quê (nem para o leitor nem para os personagens), encabeçada pelo capitão sonhador, que se mantém fiel à sua vontade de realizar seu desejo nem que precise passar a eternidade inteira na busca. Talvez tenha faltado algumas páginas para estender mais o enredo e esclarecer uma coisinha ou outra, porque de resto, o conto é muito bom.

Fechando a revista com chave de ouro, Jessica Borges nos apresenta No labirinto. Conto de fantasia onírica, que já deixei claro no post da Revista Trasgo #3 ser um tema que gosto DEMAIS, que nos leva ao dia-a-dia de Sarah, ou melhor: apenas a parte do dia em que ela está dormindo. Com uma trama inspirada em um filme que eu nunca vi, Jessica desenvolve um lado emocional de maneira espetacular, com um enredo simples e direto, uma linguagem que prende o leitor e uma habilidade maravilhosa de surpreender. Nota 10, parabéns para a autora.






sábado, 4 de outubro de 2014

Minha vida (de leitor) comparada



Um texto rápido só para cortar a enxurrada de resenhas postadas consecutivamente, e o assunto é a interação leitor-resenhista-autor. Recentemente entrei num grupo de resenhistas, com intuito de fomentar a produção nacional resenhando e divulgando títulos independentes, e até agora tudo tem dado certo, mais até que o imaginado, e as intenções são de melhorar ainda mais. Neste grupo, passei a ter contato não só com a resenha, como se dá lendo um blog ou caderno de jornal, mas também com o resenhista, e olhando o processo de análise e redação de cada um - são vários, é bom lembrar - pude fazer uma análise do meu próprio estilo de resenhar.

A primeira questão a se apontar é logo a mais polêmica: notas são necessárias? Para alguns, sim, para mim, não. A resenha serve para avaliar o livro em vários aspectos e concluir se vale indicar ou não a leitura. E tudo isso se expressa no próprio texto da resenha. Dar uma nota com base no que se diz ser “um fechamento” da resenha, para mim, é um despropósito, uma vez que o fechamento serve para considerar tudo que foi dito, e um número não é capaz de fazer isto. Mesmo considerando notas isoladas para cada critério de avaliação, o numeral não faria jus ao livro. Como exemplo, vamos imaginar que nota seria dada apenas no critério ‘Personagens’ nos seguintes casos: O livro chega no clímax com uma mãe doando um órgão para o filho necessitado. O livro remete ao amor da mãe em diversas passagens no livro, sejam longas ou curtas, densas ou triviais, sempre enaltecendo o amor que sente pelo filho, sem haver no enredo uma cena emblemática que evidencie esse amor maternal tão pujante.

Muitos resenhistas que vejo, não necessariamente os que fazem parte do grupo citado anteriormente, considerariam uma dessas expressões do autor como tendo qualidade e a outra não, no que tange a desenvolvimento da personagem Mãe. O ponto de vista do resenhista não é o importante, ele pode exaltar o segundo caso ou o primeiro, o leitor da resenha vai analisar a opinião e decidir se concorda com o critério desenvolvimento de personagem. Mas quando existe uma nota para o critério, a coisa muda. Se o resenhista a aprecia livros que se encaixem no caso 1, terá que dar uma nota baixa caso o livro lido apresente o caso 2, e vice-versa. E o parâmetro do leitor passa a ser a nota, sem saber realmente se aquele numeral representa a qualidade do livro individualmente ou num contexto comparado. Claro, há a justificativa de que a nota é só um complemento, mas como pode ser um complemento à resenha, algo que restringe o seu entendimento?

A segunda e última coisa que quero deixar registrada aqui no post é, sim, bastante associada ao grupo que faço parte. É a relação autor-resenhista. Ao meu ver, a resenha é a visão de quem escreve, e num contexto ideal, deveria refletir fidedignamente a impressão do leitor-resenhista. Quando se lê um autor estrangeiro ou falecido, há uma razão para não incluí-lo na equação da resenha, mas no meu caso, que estou fazendo resenha de um livro nacional, e ainda por cima independente, o contato com o autor é algo não só possível, mas recomendado! Por não ter prazos a cumprir até que a edição seja impressa, eu como resenhista me sinto à vontade para redigir calmamente, e buscando o autor para uma conversa livre sobre a obra. E não é isso que vejo em 99% dos leitores, blogueiros, jornalistas e vlogueiros literários; há uma aura sagrada que limita a percepção do resenhista sobre a obra exclusivamente nas palavras do livro. É um pecado capital evitar o autor para emitir uma opinião “livre de influências”, como se o autor, num bate-papo sobre seu livro, só possa ser desonesto ao ponto de passar informações de maneira a manipular o andamento da resenha? Não, assim como o inverso também não é pecado algum. Em minhas análises, me sinto satisfeito em dizer que já consultei autores nacionais quando da elaboração de resenha para um de seus livros. E em livros internacionais, se houver a oportunidade, também farei. Acredito que este seja um traço de orgulho para mim, pois evito preâmbulos introspectivos, buscando em mim respostas para minhas próprias perguntas, e ainda incremento um pouco de honestidade da resenha, já que o leitor pode ter uma informação do livro dada pelo autor, e que talvez eu não fosse capaz de captar na leitura.

Por hoje é só, e que venham para minha lista de leitura mais livros escritos por autores amigáveis.

Casos de informações que consegui através das autoras Vanessa Nilo e Lívia Stocco, em livros já resenhados aqui no blog: