quinta-feira, 3 de março de 2016

Uma reflexão estimulada


Apesar de ter sido o gatilho que me trouxe à caixa de texto do Blogspot, o último episódio do CabulosoCast, o 162 - Para Estudar Teoria Literária, será apenas tratado como o gerador do estímulo à minha reflexão, não tenho intenção de fazer do meu texto uma resposta ou nada do tipo. Até porque se o quisesse, seria mais honesto postar na caixa de comentários do podcast. O episódio, em sua discussão sobre o tema principal, acabou condenando o papel de crítico de algumas mídias onde os agentes são, em sua grande maioria, não profissionalizados na área de letras. Houve ressalva, no entanto, sobre a liberdade de opinião e o direito de se expressar, independente de bagagem teórica, de forma que o apontamento não foi só um ataque na modorrenta guerra entre alta e baixa literatura, que tanto se vê por aí. Esse foi o primeiro ponto que ressoou com minha decisão sobre continuar com o blog. Durante 2015 tive muita vontade de encerrar a seção "Impressões", que é praticamente a única coisa que tenho postado, para me dedicar a fazer textos mais técnicos sobre os livros, ou, ao menos, que me dessem mais confiança para chamar minha avaliação de "Resenha". Pesquisei, tive planos de terminar com este blog pessoal e partir para uma empreitada mais profissional, que casasse com a proposta dos novos textos, e então fui estudar as críticas acadêmicas. Desisti quando me dei conta do volume de estudo e trabalho me esperava, afinal escrever - livros ou posts de blog - não é meu ganha-pão; mas isso não me impediu de trazer um olhar mais contundente para a leitura, e ampliei o escopo das minhas avaliações, levando-as para o lado da estilística. Mesmo assim, não me sinto apto para chamar minhas críticas de "Resenha", então mantenho a seção "Impressões" intocada.

O segundo ponto que me trouxe até o teclado foi a própria qualidade literária, e o modo como ela é percebida na literatura de fantasia e ficção científica, que tanto tem delineado minhas escolhas de leitura. Eu não sigo a "escola ocidental" de fantasia - e nunca neguei isso. Larguei Tolkien no meio do caminho, não li Lewis, conheci poucos dos bastiões da FC. Porém sou apaixonado pelo Fengshen Yanyi, tenho Yoshiyuki Tomino como guru na área da escrita de roteiro e meu primeiro livro de fantasia foi inspirado em Hokuto no Ken, um mangá de grande sucesso da década de 80. Enquanto preciso analisar a qualidade de textos pelo padrão estabelecido no ocidente, e, já que estamos falando de Fantasia, é ainda mais fácil enumerar os critérios, uma vez que suas histórias foram se moldando por aglomeração de vários gêneros - tem os pontos de virada do Mistério, o ritmo da Aventura, a leveza do Romance, etc -, me sinto mais à vontade escrevendo por diretrizes, do que por técnica. E não quero confundir aqui meu ponto com a tipificação de "jardineiro e arquiteto", uma vez que mesmo o jardineiro vai aplicar algumas técnicas de escrita criativa depois de ter colocado seu ponto final. Por coincidência, dias atrás fiz um post no Blog do Goodreads que sintetizava a minha percepção de qualidade na literatura: seguir a técnica da forma mais refinada possível e levar o leitor ao lugar do personagem é bom, incrível, maravilhoso, mas o aspecto sublime da literatura, para o eu leitor, é quando a leitura quebra a parede do personagem, do cenário e da situação, e conecta leitor e autor.

Não estou cuspindo no prato que comi, ou até esteja, já que meu segundo livro de Fantasia é inteirinho montado em técnica de escrita criativa, me rendendo mais elogios que o primeiro, mas esta reflexão vai mais longe que o horizonte traçado até agora; é a minha forma de tentar achar meu caminho enquanto mantenho o escrever como um hobby prazeroso, ao mesmo tempo em que me desligo da visão inicial de agradar apenas a mim com meu livro finalizado. Não quero isso, nem somente agradar aos outros. Espero ter encontrado o meio termo no terceiro livro, e pretendo levar a mesma mentalidade para o quarto e um provável quinto que estou planejando.

Para encerrar, deixo em inglês a declaração de Gen Urobuchi, renomado roteirista japonês sobre o último trabalho do meu "guru inspirador" Yoshiyuki Tomino, que terminou com críticas extremamente polarizadas levantando hipóteses sobre genialidade e senilidade de Tomino, roteirista e diretor da obra.



Gen Urobuchi sobre Reconguista of G

A story is a method with which one separates things into good and evil via their imagination. It is a system needed for people to keep themselves sane and deal with the unreasoning chaos of reality. Religion offers the story of salvation, for example. Likewise, morals and ethics could be defined as the most popular story of the people of the age. But while these stories are harmless as long as they're used to keep individuals calm, this changes when they're used as tools for a country or race. Stories like "jews are an inferior race that have to be purged" and "capitalists are devils and if you suicide bomb them you can go to heaven" brought about tragedies due to their popularity. For an example on a smaller scale, it's not uncommon that a story that one person regards as a "small love story" turns out to be to the world at large a kidnapping of a minor. At times, stories are a poison that can drive a person mad. This presents a dilemma to us creators: If there are infinite possibilities in writing, is it possible to write a story about the potential danger of stories? A story that renounces stories? Yes it is. Reconguista of G did it.

The villains of G-Reco are the people who take the simple event of "the Crescent Moon Ship is coming from Venus" and add their own interpretations to twist it into a story with which they can move the world. The exact same thing  that dictators and cult leaders have done throughout history. Belri stops them by going along with the flow and doing his best to handle only what's in front of him. That's why there's no intentional dramaturgy to be found in the story which is shown from his viewpoint, and instead it's like reading a replay of a tabletop RPG or watching a documentary on the Discovery Channel where you're left in a vagueness free of undulations with no clear rhythm. The easiest example of someone fooled by the danger of stories is Mask. As a passionate revolutionary who seeks to free the oppressed caste of the Kuntala, he at first seems to be more of a hero than Belri, who just wanders around with no clear goal.  However, in the show itself, discrimination against the Kuntala is only mentioned, and not once seen. In other words, in the world of G-Reco, discrmination against the Kuntala exists only in Mask's imagination, and this is his "story". And in order to complete said story, his forces onto Belri the roleplaying of the villain. This is solely because Belri's lineage and surroundings contain elements that would make him a good villain for Mask. That Belri doesn't respond by arguing with his old friend dramatically is what makes G-Reco amazing. In the end, Belri doesn't commit himself to a greater good or fate or anything above his personal level, and at each point in time only does what he thinks he ought to do at the moment. No matter how much his ex-friend runs around going crazy, Aida's more important to him. And at the end of this one-sided game of tag completely out of place between a robot anime's protagonist and his rival, the final episode concludes with the unthinkable, in which he just abandons the fight and runs off in his core fighter. All that's left are people who are strong enough to live without the lies of stories. They are freed from the boring curses known as "catharsis" or "conclusions" and head towards the future. When I saw the end credits I was just moved, and exlaimed " they did it!". I had been worried about the limits of storytelling, and was just thankful for this slap from a veteran creator to me. Reconguista of G made me genki.